Microlesões, dor muscular e performance [2022]

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Alguns esportes são caracterizados por treinos em alta intensidade e constantemente variados. Isso é fundamental para entender todas as adaptações fisiológicas, como as microlesões musculares.

Microlesões musculares, também conhecido como dano muscular, é um processo no qual as fibras musculares sofrem desarranjos em suas estruturas, e isso gera respostas como aumentos na Dor Muscular de Início Tardio (DMIT), Queda de Performance (Força e Potência, por exemplo), aumento na resposta enzimática (como a famosa Creatina Quinase, CK)  e inflamatória (algumas citocinas, por exemplo). Somente essas adaptações já fazem com que treinadores, nutricionistas e atletas se preocupem com as microlesões decorrentes do exercício.

Assim, iremos fazer uma série de posts sobre esse tema, começando pelas respostas adaptativas decorrentes das microlesões.

Efeito protetor da carga

As microlesões provocam a famosa Dor Muscular de Início Tardio (DMIT), aquela dor que aparece, em alguns casos, de 24 a 72 horas após um exercício de força (principalmente nas ações excêntricas). A notícia “boa” é que as microlesões tendem a diminuir com a continuidade do Treinamento de Força, pois ocorre uma adaptação por parte do organismo, “protegendo” a musculatura do dano muscular. Este fenômeno é conhecido como Efeito Protetor da Carga (EPC). O EPC é importante principalmente no planejamento esportivo e interpretação de resultados, pois interfere diretamente nas respostas enzimáticas e imunológicas (como a diminuição da enzima CK a longo prazo), na DMIT (tende a diminuir a longo prazo), entre outras adaptações. Nos esportes de alta intensidade temos uma característica diferente do treino convencional de musculação, então é mais “comum” encontrarmos esse efeito na musculação do que nos esportes de alta intensidade.

É importante frisar que a DMIT aparece principalmente em treinos/exercícios não habituais, em treinos com cargas máximas (até a falha, por exemplo), sendo o efeito protetor da carga o inverso, não alterar os treinos e treinar sempre com cargas submáximas aumentam o efeito protetor e diminui as respostas adaptativas. Assim, não sentir dor pode ser um indicativo de que os treinos estão em intensidades submáximas, ou que o atleta está altamente adaptado (mesmo treinando em alta intensidade) ou ainda que o atleta responda em menor grau as microlesões, ou seja, ele treina intenso, de forma não habitual, variando cargas e exercícios, mas mesmo assim ele tem menos DMIT, menor aumento de CK, etc.

Algumas possíveis causas para esse fenômeno: maior recrutamento de fibras musculares e sincronização de unidades motoras, aumento do stiffness do músculo, aumento do número de sarcômeros em série e respostas inflamatórias em decorrência do dano muscular.

Dor muscular como marcador de treinamento

Como vimos anteriormente, a DMIT pode ser diferente em indivíduos mais ou menos responsivos, ou seja, em um mesmo modelo de treino, na mesma intensidade, mesmos exercícios, um indivíduo pode ter grandes níveis de dor, enquanto que outro individuo pode ter pouca ou nenhuma dor.

Considerando indivíduos responsivos, a sensação de DMIT faz parte da rotina de treinos de atletas de diversas modalidades esportivas, inclusive dos esportes de alta intensidade. Ao intensificar o treinamento, a sensação de DMIT pode ir de normal (ou nenhuma) para muito intensa, com uma concomitante redução na performance. Ou seja, ao se intensificar o treinamento, a DMIT pode aparecer. Já ao entrar em uma fase de polimento (redução do volume x manutenção/aumento da intensidade do treinamento) a sensação de dor pode ser diminuída, e a performance aumenta após a fase de polimento.

Nesse caso, a DMIT pode se tornar um marcador eficiente e barato de desgaste físico, principalmente quando associada com testes de performance. É importante lembrar que em determinadas fases é esperado que a DMIT aumente e que a performance diminua, pois logo em seguida vira a fase de supercompensação (Overreaching funcional).

Dor muscular e volume de treinamento

Na musculação é “comum” realizarmos um grande número de séries para o mesmo grupamento muscular (exemplo, 16 séries para membros inferiores), com um intervalo de pelo menos 2/3 dias para o próximo treino de membros inferiores. Entretanto, quando pensamos nos esportes de alta intensidade, é “comum estimularmos” o mesmo grupamento muscular por vários dias consecutivos (exemplo, executar diferentes exercícios para membros inferiores durante dias consecutivos).

Em um estudo publicado pelo nosso grupo de pesquisa, o objetivo foi verificar o efeito de uma sessão de treinamento de força no dano muscular. Para isso foram realizadas 3 x 10 repetições em cinco exercícios envolvendo o corpo todo (peito, costas, ombro, agachamento e posterior de coxa). As análises realizadas foram: CK, LDH, IL-6, Dor Muscular (DMIT) e força isométrica máxima no exercício extensão de joelho. Como resultado, houve o aumento significativo de todos os marcadores de dano muscular analisados, sem diminuição da força isométrica máxima. Talvez o ponto mais importante sobre esses resultados seja a relação performance x volume de treino.

A queda de performance e a DMIT parecem ser dependentes do volume de treino e do nível de treinamento (experiência / tempo de treino) do atleta que está executando o treino. Por exemplo, não podemos afirmar que 6 séries de 4RM no exercício Back Squat irá desencadear um quadro de DMIT e queda de performance alguns dias após a realização do treino, porém podemos supor que em um individuo menos treinado, a chance desse treino provocar DMIT e queda de performance é maior do que em um indivíduo treinado, correto?

Outro ponto é a sessão de treino como um todo. Continuando com o mesmo exemplo das 6 séries de 4RM no exercício Back Squat, na mesma sessão de treino é realizado Push Press e Butterfly Pull-Up. O estresse gerado é fracionado pelo corpo todo, e não localizado como na musculação tradicional (como no exemplo inicial que dei sobre as 16 séries para membros inferiores). Como resposta fisiológica podemos sim ter um aumento enzimático (CK e LDH, por exemplo), metabólico (lactato, por exemplo) e hormonal (cortisol, por exemplo). Porém, esses marcadores não são “locais”, diferentes da DMIT ou da queda de performance.

Resumindo, o que vale é a relação volume x intensidade do treino versus o nível de treinamento de quem está fazendo o treino. Se o volume de treino for compatível com nível de treinamento do atleta, a adaptação fisiológica daquele treino será dentro da normalidade, enquanto que se o volume for exacerbado de acordo com o nível de treinamento do atleta, a resposta fisiológica  também será!

Referências bibliográficas:

BARQUILHA, GUSTAVO., SILVESTRE, JEAN., MOTOYAMA, YURI., & AZEVEDO, PAULO. (2018). Single resistance training session leads to muscle damage without isometric strength decrease. Journal of Human Sport and Exercise, 13(2), in press.

BENT R RØNNESTAD, et al. Short-term performance peaking in an elite cross-country mountain biker. Journal of Sports Sciences · August 2016

NOSAKA, K.; AOKI, M. S. Repeated bout effect: research update and future perspective. Brazilian Journal of Biomotricity, v. 5, n. 1, p. 5-15, 2011.

SCHOENFELD, B. J. Does exercise-induced muscle damage play a role in skeletal muscle hypertrophy? Journal of strength and conditioning research, v. 26, n. 5, p. 1441-1453, 2012.

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